domingo, 27 de dezembro de 2020

Hipocrisias e ilusões (Bruno Momesso Bertolo)

Nelson Rodrigues descortinava com maestria, em suas obras e crônicas, o véu do falso moralismo e da hipocrisia da sociedade. Não é à toa, portanto, que foi tão criticado. Dá para imaginar o que ele escreveria atualmente? Matéria-prima é farta!

Afinal, muitos asseveram que almejam ter ao seu lado pessoas de índole ilibada. Mas, quando um indivíduo com aludida qualidade age eticamente, então é taxado de chato, severo e, pasmem, desumano.

Muitos criticam a corrupção, entretanto, quando é veiculada uma notícia de um funcionário que encontrou e devolveu elevada quantia, rotulam-o de trouxa, politicamente correto e afins.

As pessoas dizem que anseiam por determinados valores e virtudes, contudo, querem tão-somente alguém que lhes agrade e propicie um sentimento de bem estar.

Preferem um falso elogio a uma crítica verdadeira. Optam pela aparência em detrimento da realidade. Escolhem um fanfarrão divertido e preterem um caráter introspectivo.

Neste ponto, farei uma analogia injusta, porém necessária por ser deveras ilustrativa. Sei que se trata de uma arte e, portanto, possui outro propósito, logo, não estou condenando-a.

Eis o exemplo: um show de ilusionismo. A platéia sabe que foi enganada, todavia, aplaude e sai satisfeita. Na vida também é assim! A verdade e a realidade são doloridas, difíceis de assimilar e até insuportáveis. Então, a alienação é uma válvula de escape, quiçá um instinto de sobrevivência inconsciente. Representa o caminho mais curto e fácil.

Em um mundo repleto de hipocrisias e ilusões, valores e virtudes são artigos ensejadores de conflitos e frustrações, algo que poucos estão dispostos a enfrentar. O importante é parecer feliz.

domingo, 20 de setembro de 2020

Uma camiseta inconveniente (Bruno Momesso Bertolo)

O GP da Toscana, realizado no último domingo, foi inédito: a primeira corrida de Fórmula 1 no circuito de Mugello, o milésimo GP da Ferrari na categoria e o primeiro pódio de Alexander Albon. São os destaques no aspecto meramente desportivo.

 

Houve outro fato, também excepcional e muito mais importante: Lewis Hamilton compareceu ao pódio com uma camiseta preta por cima de seu macacão. Na parte frontal da vestimenta, incomum para a ocasião, havia os dizeres “Prendam os policiais que mataram Breonna Taylor”. No verso de referido traje, continha uma foto de Breonna e a frase “Diga o nome dela”.

 

Pronto! A (desnecessária) polêmica foi instalada, mais veloz até que o hexacampeão (a caminho do hepta). As redes (antis)sociais foram inundadas com comentários sobre o tema. As mídias sociais da Mercedes receberam inúmeras críticas, a maioria alegando que não se deve misturar esportes com política. A empresa alemã rebateu: “Isso não é política. É algo básico, direitos humanos”.

 

Protestos contra o protesto (paradoxo dos paradoxos!) de Hamilton também aportaram nos canais oficiais da FIA (Federação Internacional de Automobilismo), responsável pelo Mundial de Fórmula 1. Por conseguinte e diante da repercussão, na segunda-feira posterior à corrida foi noticiado que o piloto inglês estava sob investigação da FIA em razão de uma eventual quebra de protocolo (leia-se manifestação de cunho político).

 

O Estatuto da FIA estabelece: “A FIA deve abster-se de manifestar discriminação em razão de raça, cor, gênero, orientação sexual, origem étnica ou social, idioma, religião, opinião filosófica ou política, situação familiar ou deficiência no curso de suas atividades e de tomar qualquer ação a esse respeito".

 

Pois bem!

 

Nesse ponto é necessário indagar:

 

1) Hamilton em algum momento se posicionou utilizando o nome da FIA?

2) Sua manifestação representa opinião política?

 

As respostas a supramencionados questionamentos são negativas, evidentemente. O líder do campeonato apenas aproveitou um momento de visibilidade para realizar seu legítimo direito de expressão para pedir justiça. Algo tão basilar e inerente a todo ser humano com o mínimo de bom senso.

 

Nem se argumente que não é o local apropriado para ativismos. Não só pode como deve ser. Por muito tempo a Fórmula 1 viveu (ainda vive, mas está se transformando) em sua redoma particular, desconexa da realidade política, econômica e social. Realizava GPs na África do Sul do apartheid (apesar do boicote de algumas equipes e pilotos), aliava-se a governos reconhecidamente ditatoriais, aceitava patrocinadores de índole duvidosa e outros absurdos que o dinheiro ignora solenemente.

 

Tanto é assim que, em junho do ano vigente e pouco antes do início da temporada, a Fórmula 1 lançou a campanha “We race as one”, visando à promoção da diversidade e apoiar causas sociais. Todas as equipes utilizam em seus carros o logotipo (um arco-íris) e a hashtag de aludida empreitada.

 

Perante sobredito cenário, como foi possível a instauração dessa investigação contra Lewis Hamilton? Lógica inexiste! Assim como todo preconceito...

 

Os únicos que eventualmente teriam legitimidade para reclamar da camiseta do piloto britânico seriam os patrocinadores da Mercedes, que não tiveram suas marcas expostas. Seria, destarte, um assunto interno.

 

Impossível não trazer a lume a afamada cerimônia do pódio dos 200 metros rasos nas Olimpíadas do México em 1968. Em primeiro e terceiros lugares, 2 atletas estadunidenses negros, Tommie Smith e John Carlos, respectivamente. Durante a execução do hino dos EUA, ambos abaixaram suas cabeças e ergueram o punho cerrado, saudação dos Panteras Negras e um protesto contra o racismo (a efervescência dos conflitos raciais naquela década estava no auge, com a luta pelos direitos civis e assassinatos de líderes do movimento afro). O segundo colocado era Peter Norman, australiano branco que apoiou a atitude de seus adversários de esporte, utilizando um distintivo do Projeto Olímpico para Direitos Humanos, Uma imagem eternizada e amplamente divulgada como símbolo da luta pela igualdade.

 

Todavia e como sói acontecer, existe o lado sombrio – e menos conhecido – dessa história. O gesto dos esportistas negros foi condenado pelo Comitê Olímpico Internacional, a ponto de se cogitar a anulação das medalhas conquistadas (o que felizmente não se concretizou). Ao retornarem aos EUA, Tommie Smith e John Carlos sofreram críticas ferrenhas da mídia estadunidense e, em seguida, auferiram como “recompensa” um ostracismo imposto pelos dirigentes do atletismo nacional.

 

Até Peter Norman suportou retaliações na Austrália (país onde os aborígenes são alvos de racismo), circunstância que prejudicou sua carreira profissional e sua vida particular. Faleceu em 2006 em decorrência de um ataque cardíaco. Em seu funeral, Tommie Smith e John Carlos fizeram um discurso repleto de elogios e ajudaram a carregar o caixão. Em 2012 o Parlamento australiano emitiu um pedido de desculpas póstumas.

 

Mais de 50 anos se passaram e a camiseta de Hamilton ainda foi inconveniente. Por quê? Para quem? É difícil perscrutar a mente humana. Entretanto, em minha singela opinião, o incômodo é outro: presenciar um negro como o atual destaque em uma categoria que sempre foi pautada pelo elitismo e dominada por caucasianos. E mais do que isso. Afinal, até o final desse ano ele será o maior piloto da história da Fórmula 1, sobrepujando quase todos os recordes.

 

Em suma, mais um bastião do racismo cairá. É pouco, porém também significa muito. Outro paradigma será rompido. Vide Jesse Owens nas Olimpíadas, Earl Lloyd na NBA, Doug Williams na NFL, Jackie Robinson na MLB, Carlos Alberto Torres na Copa do Mundo, Arthur Ashe e Serena Williams no Tênis, Tiger Woods no Golfe, Shani Davis nas Olimpíadas de Inverno.

 

É o começo da mudança por um mundo igualitário e, portanto, mais justo. Apesar das reclamações daqueles que ainda não perceberam isso. Incomodam-se com uma camiseta, contudo, não se importam com as iniquidades. Eles também serão superados, como Lewis Hamilton tem feito com os recordes da Fórmula 1.

 

Continuem acelerando, Hamilton e Mercedes! Vocês trocaram o tradicional prateado dos carros, pintando-os de preto e adotando mensagens de combate ao racismo. Vocês levaram a primeira mulher negra (Stephanie Travers) ao pódio no GP da Estíria para receber o troféu dos Construtores. Vocês são diretamente responsáveis pela difusão da diversidade no seio do Automobilismo.

 

Eis a maior vitória que alcançarão: uma contribuição e um legado para as gerações futuras.

domingo, 5 de julho de 2020

Ao não ajoelharem, Verstappen e Leclerc deixam claro: F1 de Ecclestone ainda está neles (Pedro Henrique Marum)


Todo mundo é contra o racismo. É a frase mais apropriada para abrir esse texto não porque seja verdade, quem quiser impor algo diferente precisa tomar cuidado com o impacto da queda do alto de argumentos que não param em pé. Então, por que a frase é aplicável usada aqui? Porque dizer que é contra o racismo é fácil. O racismo é daquelas unanimidades: é ruim e você precisa ser contra. Assim, toda figura pública vai se dizer contra. Na Fórmula 1, inclusive. Mas palavras vazias voam de lá para cá e param em lugar nenhum. Após as poucas palavras expressadas nos últimos tempos, os 20 felizardos que fazem parte do grid tiveram a chance de uma manifestação concreta ao mundo antes do GP da Áustria. Nem todos aproveitaram. A decepção fica por conta sobretudo dos dínamos da nova geração: Max Verstappen e Charles Leclerc.
 
Antes de seguir em frente é preciso reconhecimento e identificação. Reconhecimento dos 14 nomes que ajoelharam no grid enquanto todos utilizavam camisetas pretas com a dita ‘end racism‘ – acabe com o racismo, em tradução livre: Vettel, Albon, Gasly, Norris, Pérez, Stroll, Russell, Latifi, Ocon, Ricciardo, Grosjean, Magnussen, Bottas e, claro, o líder Hamilton. A identificação fica a cargo daqueles que preferiram não fazê-lo e lá permaneceram de pé: Verstappen, Leclerc, Carlos Sainz, Antonio Giovinazzi, Daniil Kvyat e o campeão mundial Kimi Räikkönen.
 
A conversa é espinhosa. Quem cometeu o pecado de falar disso durante o domingo de manhã, recebeu toda a sorte de mensagens durante o dia, a grande maioria pouco educadas. Os tempos, sabemos, são bicudos: o ódio está em alta, a educação está em falta e quem viveu a vida sendo oprimido se vê cada vez mais sufocado num mundo que tenta dizer a todo instante que nenhum lugar aqui é deles. Sabemos quem são os perpetradores do horror e força motrizes da mais recente investida da eugenia. Não são inventores, percebam, porque a eugenia sempre foi cool para alguns, uma garantia da realidade econômica.
 
E é claro que ninguém vai atirar acusações contra o sexteto de pilotos que se negaram a manifestar, mas o primeiro ponto é que fica difícil entender o motivo de ficar de fora. Quando o movimento de ajoelhar ganhou popularidade no campo do esporte, nos Estados Unidos, em 2016, havia ali um protesto durante o hino nacional. O argumento de que era desrespeitoso à bandeira, o exército ou ao escambau era claramente muxibento, mas serviu de capitalização política e criou um álibi para quem se rejeitasse.
 
Os argumentos foram desbancados novamente na última onda de protestos globais, nascidos pelo assassinato brutal de George Floyd, homem preto, por um policial branco. Uma morte baseada numa suspeita – que se comprovou falsa – de que tinha roubado um maço de cigarros. Pensa nisso: quase 10 minutos ajoelhado no pescoço de Floyd por um maço de cigarros. As manifestações dos últimos meses serviram para desenhar porque a luta antirracista é inegociável.
 
No caso da Fórmula 1 e outros esportes mundo afora, não há hino ou possibilidade de revolta substancial, a não ser que contem alguns lunáticos roedores saídos das valas das redes sociais. Que o ato de ajoelhar no grid não faria o racismo acabar no mundo, o que parece ser o argumento principal dos sacripantas do Twitter, todo mundo sabe. A questão é uma demonstração concreta para as dezenas de milhões que assistem cada corrida mundo afora. Na Fórmula 1, a união de figuras de diversos países num carrossel que visita quase todos os continentes – com a África sendo incômoda ausência – é mostra potente.
 
O mundo está de olho numa resposta que podia indicar: entendemos o recado e estamos aqui, juntos, porque não há alternativa ao antirracismo. Em vez disso, ligou o alerta do ódio. Queiram ou não, o recado passou a ser: o antirracismo é opinião, posso querer fazer parte dele ou ficar distante.
 
O que se construiu ao longo da história é que o racismo é diabólico e que ou você é uma boa pessoa ou você é racista. É um erro e um desserviço. A afirmação que fazemos é categórica: todas as pessoas brancas do mundo ocidental são racistas. Dentre eles, os seis das canelas esticadas e 12 dos outros 14 – excluímos Hamilton e Alex Albon, um asiático não-branco na Europa. Dentre eles, você, branco, lendo e eu, branco, escrevendo. Somos racistas porque nos beneficiamos de uma sociedade que é máquina de moer pessoas pretas – e todas as outras minorias. Brancos são racistas. A sua decisão é que tipo de pessoa você quer ser: um racista em evolução ou um racista em putrefação.
 
Porque podemos nos dar ao luxo de ignorar as questões ligadas à desigualdade racial durante a infância, a adolescência, a faculdade, o que quer que seja. Podemos nos dar ao luxo de aprender em momento mais oportuno da vida, adultos, letrados, estudados, quando andamos com nossas próprias pernas. Lewis Hamilton não teve essa escolha. Sentiu na pele desde os mais tenros anos de kart, aposto todo o dinheiro que não tenho que viveu também antes disso. As pessoas pretas são bombardeadas na infância e na adolescência e entendem o problema, mesmo durante a juventude, muito melhor que qualquer acadêmico branco, por melhor intencionado que seja, será capaz um dia.
 
Conhecer as raízes é fundamental, mas sentir na pele é outro nível. E é por isso que é necessário seguir a liderança de pessoas pretas.
 
Se Leclerc e Verstappen tivessem se sentido minimamente compelidos a compreender – e tiveram tempo para isso, tenho certeza que sobravam alguns minutos entre uma corrida de videogame e outra no isolamento social -, não precisariam ouvir só Lewis. Podiam ouvir outras figuras, lideranças pretas que militam na luta contra o racismo Que aprendem, sentem e ensinam. E, se fizessem, teriam abraçado a manifestação. Em tempos da revolução da ignorância, porém, a opinião sente-se confortável a contradizer fatos.
 
A contrariedade ao ajoelhar, a manifestação clara, é vitória do achismo e deleite de quem quer preservar o direito de ser ignorante e, como bom ignorante, está confortável em contrapor fatos com bolhas de sabão. Não só os seis, mas os que se identificam com o esmagamento da razão mundo afora.
 
Hamilton é um personagem histórico por todas as razões certas, mas é importante reconhecer que não foi a única figura que deu orgulho: Sebastian Vettel, um tetracampeão que ainda não se manifestara, talvez por ser um fantasma das redes sociais, chegou à Austria com o ‘black lives matter‘ estampado no capacete. Vettel é sujeito inteligente, homem feito, vida pronta. Daniel Ricciardo foi outro que se manifestou de maneira mais contundente.
 
Mas Hamilton tem 35 anos, Vettel tem 33, Ricciardo acabou de completar 31. Mais dia, menos dia, estarão fazendo outra coisa da vida e terão deixado caminho aberto para a geração subsequente. Geração da qual Verstappen e Leclerc despontam como principais nomes, além de ter também Sainz, confirmado na Ferrari em 2020.
 
A Fórmula 1 impressionou e acertou ao se dissociar das declarações de Bernie Ecclestone dias atrás. Aos 89 anos, o homem que deu as cartas por mais de 30 e transformou o Mundial num fenômeno midiático global fez uma série de afirmações sem base e fundamentalmente mentirosas com relação à luta contra a desigualdade racial. Quando Hamilton respondeu de cara fechada, Ecclestone achou por bem se explicar melhor. Meu argumento favorito dentre os utilizados por Bernie foi que um dia considerou fazer negócios com Anthony Hamilton, pai de Lewis. Contou que Hamilton Sênior fez uma proposta e ele, Bernie, considerou topar. Veja bem, CONSIDEROU, porque no fim das contas não topou e seguiu a vida. Mas, para Ecclestone, o fato de dar ao menos o benefício da dúvida de que talvez estar numa sociedade com um homem preto pudesse ser válido mostra que não é racista, ora! Um verdadeiro ás da justiça social.
 
Ecclestone, aos 89 anos, não entende, não quer entender e não vai entender.
 
A Fórmula 1, felizmente, não é mais de Ecclestone. É a Fórmula 1 de Lewis Hamilton, mas um dia não será mais. Quando for a vez de Verstappen, Leclerc ou Sainz assumirem as rédeas, como será?
 
O que apareceu no domingo foi um fantasma. O de que a F1 de Bernie Ecclestone é uma assombração sempre à espreita, pronta para voltar com novos nomes, uma marca d´água repaginada e baby face de playboy.
 
Verstappen e Leclerc têm tempo para que consertem rota, entendam o mundo um pouco melhor. Ninguém vai ajoelhar no pescoço deles, que podem viver tranquilamente na segurança de Monte Carlo.
 
Certamente torço para que aconteça e que ambos anunciem atitudes concretas e se juntem à luta, porque, embora ambos tenham buscado o Twitter para falar de “maneiras diferentes” de ajudar na luta antirracista, ninguém sabe que maneiras são essas. Ainda que elas surjam, porém, não ajoelhar foi um erro e seguirá assim, um erro. Os dois não entendem. Os dois são mais Ecclestone que Hamilton.
 
E, embora na lógica meramente mercantil a Fórmula 1 de Ecclestone seja um fenômeno, socialmente foi a Fórmula 1 que correu no Apartheid.

domingo, 29 de março de 2020

A eterna culpa da mídia e a inocência dos políticos (Bruno Momesso Bertolo)


Quando mais jovem, tinha prazer em redigir artigos para os jornais do município, um site de jornalistas e meu blog. Havia debates produtivos, respeito na discussão e, pasme, argumentos. Atualmente há ofensas e “haters”. E o pior: memes! Uma figura com poucas palavras “vence” diversas linhas e, às vezes, até horas de redação. Com direito a óculos de “Thug life”, se bobear. Diante de sobredito panorama, é difícil ter ânimo para escrever.

Entretanto, familiares e amigos me pediram para retornar aos textos. É por vocês que estou aqui! E será salutar para mim também, é claro! Esta última noite insone, uma característica daquela época (um misto de ideias que surgem e não permitem dormir, bem como a ansiedade em escrever), deve ser um indicador positivo também.

Eis um tema (tão em voga) que há meses pretendia abordar em muitos parágrafos: a mídia! Como serão vários pontos, dividirei em capítulos para ninguém se perder. Nem eu!

Capítulo 1: A contradição

Lula, a “alma viva mais honesta desse país”, em seus discursos dizia que a imprensa seria um braço do capital especulativo, da direita e da elite, perseguindo-o porquê ele fazia um governo para os pobres.

Dilma, a fantoche, até hoje se vitimiza alegando que foi alvo de um golpe orquestrado pela mídia.

Bolsonaro, o novo Galileu Galilei (ele está certo, o mundo está errado), sustenta que a mídia é de esquerda, distorce os seus pronunciamentos (cada pérola que nos faz pensar se Dilma voltou!) e quer criar pânico (especialmente em uma época de, oras pois, pandemia mundial!) para derrubá-lo.

Conclusão óbvia: ou uma, ou outra tese. Uma anula a outra e não podem coexistir. Quem tem razão? O lulo-petismo ou o olavo-bolsonarismo?

Minha opinião: nenhum dos dois. A meu ver, a imprensa brasileira cumpre seu papel ao investigar e criticar os poderosos e, por conseguinte, sofre ataques de quem não sabe ou não pode se defender. Algo semelhante acontece com o Ministério Público, outro órgão que, na ótica dos políticos, os acossa gratuitamente. Coitados de nossos inocentes políticos, os mais honestos e patriotas do planeta!

Capítulo 2: Deixe de ser ingrato, bolsominion!

Quando toda a imprensa brasileira e mundial noticiaram os escândalos de corrupção envolvendo o PT, mormente o Mensalão e o Petrolão, além do destaque do processo de impeachment de Dilma, os críticos do PT (na época não existia o bolsonarismo) eram apenas elogios. A mídia era perfeita. O que mudou senão o governo?

Aliás, conforme relato dos próprios integrantes da Operação Lava-Jato, ela atingiu proporções e resultados gigantescos graças à ampla divulgação e apoio da imprensa.

Em outras palavras: deixe de ser ingrato, bolsominion! Todo cidadão deveria agradecer por ter uma imprensa livre.

E agora, a outrora mídia elitista e golpista, na visão dos fanáticos petistas, está fazendo um excelente trabalho.

Entenderam? Sempre foi assim! Na oposição uma postura; uma vez no poder, outra. E a culpa é da mídia...

Capitulo 3: Profissionalismo é necessário em toda profissão

Puxa vida, que bela constatação! Redescobriu a roda! Profissionalismo é necessário em toda profissão. Óbvio ululante (nada a ver com o Lula, por favor!)! Pois é! Todavia, nesses tempos de pós-verdade (a opinião existe por si mesma, independe de provas e fundamentos, isto é, “creio e acabou”), até mesmo o que é inequívoco precisa ser lembrado e dito.

Você realizaria uma operação com um médico que apenas atende em redes sociais? Pegaria um avião cujo piloto se credenciou pelo WhatsApp? Suponho que não!

Apesar da decisão do STF dispensando o requisito do diploma para exercer o Jornalismo, o fato é que um bom repórter depende de conhecimento e uma estrutura para desempenhar razoavelmente seu ofício. Além disso, em regra atuam por empresas, de modo que poderão ser responsabilizados civil e/ou criminalmente em caso de uso indevido na divulgação das notícias.

Isso se chama profissionalismo e é uma forma de controle estatal. Nas redes sociais, reduto propício para anônimos, como você identifica a fonte da informação? Qual a credibilidade? Como punir nos excessos?

Esses dias de quarentena propiciaram um passeio pelos denominados “influenciadores digitais”. Evidentemente conhecia os mais famosos, porém são inúmeros personagens, no mínimo, inusitados. Utilização de megafone, tapas e socos na mesa, palavrões, enfim, uma gama de bizarrices. E são os atuais formadores de opinião. Muitos dos quais visam tão-somente um cargo nas próximas eleições. No último pleito, vários conseguiram aludido intento.

Para ilustrar: terraplanismo, antivacinação e outros absurdos medievais jamais seriam publicados na mídia tradicional. Sequer passariam na triagem.

Capítulo 4: Maus profissionais existem em todo lugar

Indubitavelmente, há maus jornalistas e empresas duvidosas e/ou tendenciosas. Maus profissionais existem em todo lugar. E toda generalização é injusta e burra. Virou rotina se deparar no Facebook com postagem como “Jornalismo não serve para nada”, “Tudo comprado”, “Pelo fim do jornalismo” e afins.

A quem interessa uma imprensa fragilizada?

A função dos veículos de comunicação sempre foi e é essa mesmo: questionar, criticar, informar. Quer uma mídia que elogie o governo? Vou sugerir duas: Pravda (“Verdade” em russo”) e Granma. Aquele, da antiga União Soviética; este, jornal cubano. Resumindo: você é um comunista enrustido!

Alegar que toda a imprensa é de esquerda é ridículo! Como era patético o PT sustentar que era toda de direita! A pluralidade de ideologias existe e varia conforme o proprietário, o editor-chefe e interesses. Não sei se percebeu, mas eles também são humanos. Basta você discernir o que é de qualidade ou não, contudo, sem julgamentos formados ou antecipados. E sem jogar todos na vala comum de que nada presta.

Capítulo 5: Uma citação de jornalista, outra de político

“Dizem que ofendo as pessoas. É um erro. Trato as pessoas como adultas. Critico-as. É tão incomum isso na nossa imprensa que as pessoas acham que é ofensa. Crítica não é raiva. É crítica. Às vezes é estúpida. O leitor que julgue. Acho que quem ofende os outros é o jornalismo em cima do muro, que não quer contestar coisa alguma. Meu tom às vezes é sarcástico. Pode ser desagradável. Mas é, insisto, uma forma de respeito, ou, até, se quiserem, a irritação do amante rejeitado.” (Paulo Francis)

"Existe uma terrível desvantagem de não ter a qualidade abrasiva da imprensa aplicada a nós todos os dias. Mesmo que não gostemos, e mesmo que desejássemos que não tivessem escrito, e mesmo que não aprovemos, não existe nenhuma dúvida que não faríamos o nosso trabalho numa sociedade livre sem uma imprensa ativa, muito ativa.” (John F. Kennedy)